O Brasil é signatário Convenções internacionais dentre elas a de Montreal (Varsóvia), promulgada pelo Decreto 5.910/2006, que regulamenta a limitação de responsabilidade do transportador aéreo internacional, cuja aplicabilidade ainda é um tema controvertido no Poder Judiciário.
A Convenção foi ratificada e recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) e regulada nos arts. 5º, §2º e 178, e art. 7° do Código de Defesa do Consumidor CDC. O §2º do art. 5º é aplicável aos direitos e garantias fundamentais, não objeto da referida Convenção, já o art. 178 ordena a inserção dos Tratados e Convenções no Ordenamento Jurídico pátrio.
A aplicação da Convenção é matéria de divergência, sobretudo pelo seu status na legislação nacional. Alguns juristas defendem que o status é de norma especial infraconstitucional, sobrepondo às normas gerais do CDC e do Código Civil (CC). Neste contexto, ocorrendo litígios decorrentes do transporte aéreo internacional a Convenção deve ser aplicada.
Regra geral, aos litígios de transporte internacional de pessoas aplica-se o CDC e de mercadorias o CC, ou mesmo o próprio CDC. Aos litígios de transporte de mercadorias já existem decisões aplicando a Convenção em detrimento de outras normas. Em ação de regresso de seguradora contra o transportador, a matéria é divergente e ainda vem prevalecendo a aplicação do CDC e/ou CC em detrimento da Convenção.
Discute-se se a ação de regresso, quando a relação originária entre importador, que não é destinatário final da mercadoria e o transportador não é de consumo, pode a seguradora, ao adquirir o direito de regresso sub-rogando-se nos direitos do importador, adquirir direitos além daqueles que originariamente seu segurado tinha. Uma parte da jurisprudência entende que a relação é de consumo regulada pelo CDC, outra afasta o CDC, mas aplica o CC. Mas, já há decisões aplicando a Convenção como norma especial e específica.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em decisão recente, afastou a aplicação do CDC e do CC em uma ação do importador contra o transportador e aplicou a Convenção de Montreal.
As mais altas Cortes do país também divergem sobre o assunto: o STJ defende a aplicação do CDC e/ou CC para o transporte aéreo internacional, já o STF aplicou a Convenção em relação de consumo, isto é, de viagem de passageiros. Esta decisão abrangeu apenas a prescrição do direito de ação, que é de 5 anos no CDC e de 2 anos na Convenção, prevalecendo, neste caso, os 2 anos da Convenção.
Está em discussão no STF a repercussão geral da matéria na tentativa de pacificar entendimento de que ao transporte internacional de pessoas devem ser aplicadas as regras da Convenção de Montreal com indenização tarifada (Direitos Especiais de Saque). Se a matéria for julgada favorável com repercussão geral para as relações de consumo, futuramente poderá pacificar o entendimento pela aplicabilidade (ou não) da Convenção ao transporte aéreo comercial.
Segundo a CF/88, ao se tornar signatário de Convenções internacionais o Brasil se obriga a cumpri-las em observância ao princípio da reciprocidade. A inaplicabilidade gera insegurança jurídica nas relações internacionais. Ao Poder Judiciário cabe o dever de aplicar a legislação (interna e recepcionada) de forma a manter o equilíbrio e preservar os direitos de todos os interessados, e, se possível, pacificar o entendimento sobre a norma aplicável ao caso concreto.
Valdirene Laginski was associate at Pacheco Neto Sanden Teisseire Law Firm.
Ana Lucia Villela was an associate at Pacheco Neto Sanden Teisseire Law Firm.