O marco legal da mediação e seus impactos na gestão de conflitos empresariais
No cenário brasileiro atual, em que 95,14 milhões de processos congestionam o Judiciário[1], a possibilidade de solucionar um conflito sem a intervenção da máquina estatal inevitavelmente desperta interesse.
Ao passo que o grau de litigiosidade da sociedade aumenta ano a ano, reduzir o número de processos judiciais de uma empresa é uma tarefa hercúlea. Nesse contexto, insere-se a mediação como alternativa adequada de resolução de conflitos fora do Judiciário.
Mundialmente estudada e fomentada pelas melhores instituições de ensino e por renomados centros de excelência, a mediação é um dos vários métodos consensuais de resolução de controvérsias, também conhecidos como “Alternative Dispute Resolution” (ADR)[2].
Surgiu nos Estados Unidos da América, berço da negociação baseada em interesses, e foi impulsionada pela necessidade de se encontrar alternativas aos altos custos das demandas judiciais e aos riscos advindos das decisões.
Na União Europeia, graças à Diretiva Europeia de 2008[3], a mediação teve seu uso incentivado e intensificado nos paísesmembros e hoje vem sendo utilizada com êxito em muitos deles.
No Brasil, a mediação é aplicada com sucesso há algumas décadas em diversas áreas, mas foi nos últimos anos que ganhou sensível destaque no campo empresarial.
Recentemente foi publicada a Lei de Mediação (Lei n.º 13.140 de em 26/06/15), que consolida o esforço governamental de instituir uma política pública de gestão adequada dos conflitos[5]. Também nesse sentido é o novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105 de 16/03/15), que estimula a autocomposição das partes e a utilização de métodos consensuais de conflitos como a mediação. Essas legislações levam a uma nova tendência entre as empresas na forma de gestão dos seus conflitos.
Além de inserir o Brasil entre os países que utilizam a mediação e de outros métodos de “ADR”, o marco legal incrementará o uso da mediação especialmente no setor empresarial privado, garantindo aos usuários maior segurança jurídica.
Mediação é um processo técnico, estruturado, célere, menos custoso e mais informal, que conduzido por um terceiro – mediador – neutro e imparcial, escolhido por ambas as partes, que as auxilia a restabelecer ou melhorar sua comunicação, indagando os interesses e suas reais necessidades, estimulando a geração de ideias e a busca de soluções consensuais lastreadas no real interesse das partes, naquilo que acomoda as expectativas e as necessidades dos envolvidos.
“Sob o ponto de vista financeiro, a mediação é infinitamente mais barata que um processo judicial ou arbitral. Um dos motivos é a celeridade. A agenda é definida em conjunto pelas partes e os prazos geralmente variam entre 30 e 90 dias”
A Lei de Mediação, que entrará em vigor no final deste ano, prevê que o procedimento de mediação poderá ser judicial ou extrajudicial. Em outras palavras, processos judiciais poderão ser encaminhados à mediação, o que tende a diminuir o número de processos que assola o Judiciário, e conflitos ainda em fase de negociação também poderão ser submetidos à mediação extrajudicial, evitando assim uma ação na Justiça. Os casos elegíveis à mediação são todos aqueles que versem sobre direitos disponíveis, ou seja, que podem ser objeto de transação.
Especialmente na área da saúde, as vantagens são inúmeras. Seu uso é altamente recomendado pelo componente emocional comum ao ambiente hospitalar e ao momento delicado pelo qual passam famílias e pacientes. Com o auxílio do mediador – que funciona como um facilitador do diálogo – são exploradas as reais motivações que levam as partes ao conflito, medos, inseguranças, necessidades e toda uma gama de emoções que permeiam as relações em que a preservação da vida dá o tom da conversa. Não raros são os casos em que, durante a mediação, a demonstração de respeito e consideração, ou o simples fato de se sentirem ouvidas e acolhidas, produzem efeitos extraordinários, capazes de quebrar a argumentação adversarial de um paciente ou sua família.
Sob o ponto de vista financeiro, a mediação é infinitamente mais barata que um processo judicial ou arbitral. Um dos motivos é a celeridade. A agenda é definida em conjunto pelas partes, e os prazos geralmente variam entre 30 e 90 dias. Conflitos multipartes evidentemente tendem a ter prazos mais alongados, mas nada comparáveis a um processo judicial que pode durar, ao menos, de 4 a 8 anos. A mediação empresarial pode ser administrada pelos renomados Centros e Câmaras de Mediação existentes no Brasil ou de forma ad hoc, quando o processo não está vinculado a nenhuma instituição.
Outro benefício é a possibilidade de envolvimento de múltiplas partes, uma das principais características dos conflitos advindos da área de saúde, nos quais é possível encontrar frente a frente em demandas judiciais médicos, enfermeiros, gestores, terceirizados, laboratórios, clínicas de retaguarda, empresas de cuidados hospitalares (home care), pacientes, familiares e operadoras de seguros e planos de saúde.
O caráter sigiloso do processo é outro aspecto extremamente relevante para a eficiência do método. Sob o manto da confidencialidade, as partes se sentem mais seguras para o compartilhamento de informações. Diferenças culturais, valores e ruídos de comunicação são melhor explorados nesse ambiente. Os riscos de exposição ou dano à imagem são mitigados e os termos do acordo também podem permanecer em sigilo. Todo esse ambiente favorece uma correta avaliação do nível de risco envolvido, o que possibilita uma adequada tomada de decisão pela instituição de saúde.
O controle sobre o resultado do processo também é um fator de excelência para seu uso. As partes são as verdadeiras protagonistas, e a elas é conferido o poder de resolver suas próprias divergências, evitando que um terceiro – juiz ou árbitro – profira uma decisão que coloque fim ao processo, mas não solucione a causa do problema. A voluntariedade das partes é o princípio que rege todo o procedimento de mediação. Ninguém está obrigado a permanecer na mediação, tampouco a fazer um acordo. Entretanto, a assistência feita por advogado com sólida experiência em mediação é fundamental para a condução estratégica do caso, visando o alcance da solução almejada pelo cliente.
“O desafio de aperfeiçoar as boas práticas nas organizações do setor de saúde passa pela adoção de um adequado modelo de gestão de conflitos, desenhado de forma “taylormade” e de acordo com a cultura organizacional de cada instituição”
A correta escolha do mediador também contribui para o sucesso do procedimento. O mediador não julga, não decide e não emite sua opinião sobre o caso. Entretanto, na área empresarial é essencial que ele conheça o vocabulário daquele sistema e adote postura condizente com a dinâmica do assunto discutido.
Uma das mais importantes pesquisas realizadas na área de “ADR”[6] nos Estados Unidos da América revelou uma importante evolução no uso da mediação exatamente por promover um caminho adequado para a gestão e resolução de conflitos e por produzir resultados mais satisfatórios e duradouros.
O desafio de aperfeiçoar as boas práticas nas organizações do setor de saúde passa pela adoção de um adequado modelo de gestão de conflitos, desenhado de forma “taylor-made” e de acordo com a cultura organizacional de cada instituição. A nenhuma empresa interessa litigar com seus clientes, fornecedores e parceiros. Assim, o uso da mediação associada a outros métodos de soluções de controvérsias, bem como a uma adequada avaliação inicial do caso, promovem efetiva economia de tempo e dinheiro, preserva as relações e impacta positivamente no resultado da companhia, beneficiando acionistas, stakeholders e a própria imagem da empresa.
Na medida em que a satisfação dos usuários aumenta, diminui drasticamente o índice de ajuizamento de ações judiciais, o que mitiga o risco de decisões desfavoráveis e multas diárias impostas pelo Judiciário, ao mesmo tempo que influencia positivamente a qualidade das instituições de saúde, demonstrando cuidado e foco no cliente.
Atualmente, a mediação empresarial é uma realidade que beneficia todos os envolvidos no conflito, garante eficiência, praticidade, celeridade, qualidade e satisfação do cliente num ambiente humanizado e com o devido alcance social, sem o qual não se poderia falar em melhores práticas.
Notas
[1] Conforme a 10ª edição do “Relatório Justiça em Números 2014: ano-base 2013”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, Brasília, 2014. Disponível em: ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf. Acesso em 04/10/2014.
[2] Também conhecidos no Brasil como Métodos Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias ou Métodos Adequados de Solução de Conflitos.
[3] EUR-Lex. Directiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/05/2008, relativa a certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:20 08:136:0003:0008:PT:PDF. Acesso em 04/10/2014.
[4] Projeto de Lei 7169/2014.
[5] Resolução nº 125, de 29/11/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
[6] “Living with ADR: Evolving Perceptions and Use of Mediation, Arbitration, and Conflict Management in Fortune 1000 Corporations”, 2013, Estados Unidos da América. Realizada pela Cornell University’s Scheinman Institute of Conflict Resolution, Straus Institute for Dispute Resolution at Pepperdine University School of Law e o International Institute for Conflict Prevention & Resolution (CPR). Disponível em http://ssrn.com/abstract=2221471. Acesso em 05/10/2014.
PNST partner Patricia Freitas Fuoco published the article “Mediation in the healthcare market: the legal landmark and its impacts in the management of business conflicts” on page 17/19 at the specialized journal of the healthcare sector Melhores Prática em Saúde, Qualidade e Acreditação.
Patricia Freitas Fuoco was consultant at Pacheco Neto Sanden Teisseire Law Firm.