Na primeira onda da pandemia viu-se como nunca e não sem razão, repactuação de valores de locações, de prestações de serviços e de contratos comerciais gerais.
Como sabido, o Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) é comum indexador de valores em contratos, notadamente nos de locação.
Nos últimos 12 meses a escalada do IGP-M acumula alta de 31%, considerado os 2,94% de março, divulgado em 30.03.2021. Em março de 2020, o índice havia subido 1,24% e acumulava alta de 6,81% em 12 meses.
A inflação apurada por outros medidores, também usuais em contratos comerciais, foi significativamente inferior. O acumulado de 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,20% e o do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 6,22%. Ambos são divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante disso, diversas partes que têm a obrigação de pagar valores sujeitos a reajuste pelo IGP-M/FGV, vêm buscando negociar com a outra parte a redução ou a substituição do indexador. E quando não há consenso entre as partes, algumas partes optam por seguir o pleito recorrendo à tutela jurisdicional do Estado.
De fato, a legislação brasileira prevê, muito em resumo, por artigos específicos do Código Civil que, caso uma das partes de um contrato esteja diante de ônus excessivo no cumprimento das obrigações decorrente de evento imprevisível, pode pedir a revisão de tal contrato.
Fundamentados então pela tese de que o deslocamento acentuado do IGP-M/FGV vem sendo um evento imprevisível, passível de onerar em excesso devedores a que eles estão sujeitos, começaram a despontar pedidos de revisão de contratos no judiciário.
Em duas decisões**recentes sobre o assunto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) concedeu liminar para a substituição do IGP-M pelo IPCA para fins do cálculo do reajuste anual de aluguéis contratados. Os argumentos foram em suma, que, em razão dos impactos econômicos decorrentes das medidas de isolamento social impostas pelo Estado, a revisão dos contratos por onerosidade excessiva é medida excepcional que busca restabelecer o equilíbrio contratual em virtude de um acontecimento extraordinário e imprevisível, que tenha tornado a prestação de uma das partes excessivamente onerosa. Entendeu-se, ainda, que a providência para que o contrato continue a ser, na medida do possível, viável e proveitoso a todos os contratantes, cumpre sua função social, que é um dos princípios norteadores de contratos, elencados pelo Código Civil.
Em movimento oposto, em outra recente decisão do TJSP, esta relativa à contrato de compra e venda de lote imobiliário, decidiu-se pela legalidade da atualização da dívida do contrato pelo IGP-M/FGV. O argumento foi de que é um indexador comumente utilizado nesse tipo de contrato e sua aplicação não representaria acréscimo na dívida, mas apenas a recomposição do valor da moeda e sua alteração configuraria ônus ao credor.
O tema é e será certamente polêmico; há argumentos sólidos e frágeis por ambas as partes e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tem entendimento consolidado no sentido de considerar a inflação ou a alteração abrupta de indexadores de preços como eventos imprevisíveis ensejadores de revisão dos contratos.
Recomenda-se por tanto, e como sempre, uma avaliação precisa dos riscos e custos envolvidos em cada relação e uma negociação de bom senso entre as partes.
* de fevereiro de 2020 à fevereiro de 2021 / ** processos nº 1017861-41.2021.8.26.0100 e nº 1123032-21.2020.8.26.0100 / ***processo nº 1006655-78.2020.8.26.0451.
Juliana G. Meyer Gottardi é sócia do Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.