A troca de informações fiscais entre países, no passado relegada a segundo plano, ganha cada vez mais relevância na análise tributária de operações internacionais, especialmente quando tratamos de empresas integrantes de grupos multinacionais.
Um passo concreto na direção de intensificar o intercâmbio de tais dados fiscais será dado em 2017, primeiro ano da obrigatoriedade de entrega da Declaração País-a-País pelas empresas brasileiras à Secretaria da Receita Federal (“RFB”), nos termos da Instrução Normativa RFB n. 1.681, de 28 de dezembro de 2016.
A criação da Declaração País-a-País (“Country by Country Report”) decorre de compromisso firmado pelo Brasil no âmbito da Ação 13 do Projeto BEPS (“Base Erosion and Profit Shifintg”), coordenado pelos países integrantes do G-20 e da OCDE (“Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico”), e busca prover às autoridades fiscais dos países em que as empresas do grupo operam informações e indicadores sobre sua atividade econômica ao redor do mundo, alocação global de renda e impostos pagos e devidos.
Nesse sentido, a declaração em questão consistirá em relatório a ser utilizado pelas autoridades fiscais, a fim de avaliar planejamentos fiscais realizados pelo grupo multinacional, em especial situações que envolvam a transferência de renda tributável para jurisdições com menor carga tributária.
Uma vez acordados os conteúdos mínimos a serem informados, e com o objetivo de evitar que a mesma declaração seja elaborada e entregue por mais de uma parte do grupo multinacional, o que implicaria em retrabalho e custos de transação correspondentes, a legislação editada por cada um dos países irá prever que somente está obrigada a entregar a Declaração País-a-País a sociedade controladora do grupo no país em que estiver sediada, ou entidade substituta por ela indicada, até porque os acordos internacionais firmados pressupõem o posterior compartilhamento das informações obtidas aos demais países interessados.
Assim, a empresa brasileira somente será obrigada a entregar no Brasil a Declaração País-a-País se for a controladora final de um grupo multinacional (artigo 3º da IN RFB n. 1.681/2016), ou substituta indicada, e apresente receita consolidada total (global) no ano de 2015 superior ao limite estipulado pela RFB.
Além disso, será obrigatória a entrega da declaração se configurada situações específicas previstas na legislação, entre elas o fato de o país sede da sociedade controladora do grupo não exigir a entrega de tal declaração, ou, ainda, tal país não ter assinado com o Brasil tratado ou convenção específica para a troca de informações contidas na Declaração País-a-País (“Acordo de Autoridades Competentes”).
Se estiver obrigada a apresentar a Declaração País-a-País no Brasil, a empresa brasileira deverá preencher campos do denominado Bloco W da Escrituração Contábil Fiscal (“ECF”). E, ainda que a empresa brasileira não esteja obrigada a apresentá-la no país, deverá indicar na ECF qual empresa do grupo e em que país a Declaração País-a-País será entregue. Lembrando que a empresa brasileira estará submetida ao pagamento de multas caso deixe de apresentar tais informações, ou as apresente com incorreções ou omissões.
Recentemente, em 26/05/2017, foi publicada a IN RFB n. 1.709/2017, que buscou esclarecer importante dúvida dos contribuintes neste primeiro ano de obrigatoriedade de entrega da Declaração. Segundo o Fisco, caso o Brasil não tenha ainda firmado Acordo de Autoridades Competentes com o país em que se localiza a entidade responsável pela entrega, como, por exemplo, controladores localizados nos EUA, a empresa brasileira estará dispensada da entrega da Declaração no Brasil.
Tal entendimento é válido somente para a Declaração relativa ao ano de 2016, e, caso os países não assinem o acordo até 31/12/2017, a empresa brasileira deverá retificar a ECF para preencher os dados da Declaração cuja entrega havia sido anteriormente dispensada.
A partir das considerações acima, verifica-se que a decisão por entregar ou não a Declaração País-a-País no Brasil exigirá a análise e acompanhamento da legislação estrangeira, assim como tratados e convenções firmados pelo Brasil. Isso porque, embora a regulamentação preveja que a RFB divulgará anualmente listas dos países que tenham firmados tais acordos com o Brasil, tais informações não se encontram até o momento disponíveis para consulta dos contribuintes no sítio eletrônico de tal órgão.
Mais do que isso, a obrigação de entregar a Declaração País-a-País demandará o alinhamento interno entre as empresas integrantes do grupo multinacional, seja com relação às providências para a entrega da declaração, seja quanto ao conteúdo informado, a fim de que não sejam constatadas eventuais divergências pelas autoridades fiscais dos países envolvidos que receberão tais informações.
Daniel Miotto foi sócio do escritório Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.
Vanderlei de Souza Júnior é advogado da área tributária do escritório Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.