A Constituição Federal do Brasil garante proteção legal aos trabalhadores com deficiência e proíbe discriminação salarial e de critérios de admissão em oportunidades de emprego[1].
Um dos direitos garantidos pelo ordenamento jurídico brasileiro aos trabalhadores com deficiência é o regime de cotas, que, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), consiste em “uma das medidas políticas mais utilizadas para promover oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência[2].
O mesmo relatório conta que o esquema de cotas foi concebido no início da década de 1920 como uma ação afirmativa para fornecer emprego para pessoas que se tornaram incapacitadas no contexto da Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra Mundial, as cotas foram gradualmente estendidas de sua faixa inicial de proteção para pessoas com deficiências físicas para incluir também deficiências intelectuais e psicossociais.
No cenário jurídico brasileiro, o esquema de cotas foi instituído pelo Projeto de Lei Federal nº 8.213/1991, que regulamenta o Sistema de Previdência Social. O artigo 93 daquele estatuto determina que os empregadores com cem ou mais empregados são obrigados a conceder de 2% a 5% das cotas, de acordo com os seguintes critérios:
Total de empregados | Percentual de quotas |
> 100 e <= 200 | 2% |
> 200 e <= 500 | 3% |
> 500 e <= 1.000 | 4% |
> 1.000 | 5% |
Em termos comparativos, países como França e Alemanha instituíram uma percentagem maior de quotas para empregadores com um número proporcionalmente menor de trabalhadores, como se pode verificar no quadro seguinte[3]:
País | Quota % | Limiar de empregados |
Brazil | 2-5% | Empregadores do setor privado com mais de 100 empregados |
França | 6% | Empregadores dos setores público e privado com mais de 20 empregados |
Alemanha | 5% | Todos os empregadores com 20 empregados ou mais |
Voltando ao cenário jurídico brasileiro, para manter o percentual mínimo de cotas, a rescisão do contrato de trabalho de um trabalhador com deficiência só deve ocorrer após a admissão de outro. No entanto, se as cotas implementadas já forem superiores ao percentual legalmente exigido, a rescisão do contrato ainda dependeria da contratação de um novo empregado?
Por exemplo, se uma determinada empresa tiver um total de 200 empregados, 2%, ou 4 vagas no total, devem ser reservadas para pessoas com deficiência.
Mas supondo que já sejam preenchidas 6 vagas, o empregador teria que contratar um novo empregado com deficiência para substituir aquele cujo contrato foi rescindido?
A atual perspectiva jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) dá uma resposta negativa a essa questão.
Segundo decisões do TST, o cumprimento da ação afirmativa contida no artigo 93, § 1º, da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/91) é obtido apenas pela preservação do número mínimo de vagas. Caso o número de empregados com deficiência já seja superior à cota, o empregador não é obrigado a substituir um contrato de trabalho por outro.
O critério para cumprimento da disposição legal em análise é puramente quantitativo. Além disso, a admissão de um novo empregado não precisa ser para o mesmo cargo daquele cujo contrato foi rescindido, nem seus empregos precisam ser qualitativamente equivalentes.
Em suma, o entendimento jurisprudencial que atualmente prevalece no Tribunal Superior do Trabalho do Brasil sobre a legislação de cotas visa conciliar proteção social com eficiência empresarial, pois garante as cotas sem prejudicar a autonomia do setor privado para decidir como estruturar seus recursos humanos. E considerando que a legislação de cotas do Brasil é menos rígida em comparação às outras mencionadas, isso pode ser visto como uma oportunidade empresarial para explorar diferentes cenários.
[1] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.
[2] Promoting Employment Opportunities for People with Disabilities: Quota Schemes (Vol. 1) | International Labour Organization. International Labour Organization, 2019.
[3] Informação extraída de: Promoting Employment Opportunities for People with Disabilities. Vol.2. Organização Internacional do Trabalho, 2019.
Luccas Miranda Machado de Melo Mendonça é advogado no Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.