O instituto do bem de família representa, desde sua constituição, um dos importantes instrumentos de normatização das necessidades sociais geradas pelo contexto político econômico brasileiro por assegurar proteção a direitos constitucionais que se encontram em risco.
Desse modo, a Lei 8.009/90 (“Lei do bem de família”) surgiu numa época de muitas incertezas da economia brasileira quando nossa moeda encontrava-se bastante desvalorizada pela alta da inflação, surgindo a necessidade de proteção dos bens e direitos dos cidadãos a fim de preservar, dentre outros direitos básicos, o da dignidade da pessoa humana.
Com o advento da Lei de Locação no ano seguinte (Lei 8245/1991), verificou-se que tal proteção não foi conferida ao bem de família do fiador, o que demonstrou ser uma violação ao princípio da isonomia em relação ao locatário que se encontrava na mesma situação de devedor, mas permaneceu protegido por tal benefício.
Dentro deste contexto, o Judiciário começou a combater as injustiças que recaiam sobre o fiador passando a proferir decisões favoráveis ao direito deste penhorar o bem de família do locatário em ação de regresso quando da cobrança dos aluguéis por ele quitados.
Tal tendência jurisprudencial contribuiu para a elaboração posterior do Projeto de Lei do Senado nº 408 de 2008, que se encontra atualmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado pronto para a pauta de votação, o qual pretende alterar tanto a Lei do Bem de Família quanto a Lei de Locação a fim de estender a proteção da impenhorabilidade do bem de família também ao imóvel do fiador.
O referido projeto vem de forma a reafirmar e ampliar o caráter assistencialista e protetivo de nosso sistema político-jurídico ao garantir ao fiador o direito de ter seu principal bem protegido com o intuito de garantir a segurança e a equidade necessárias perante o locatário.
A antiga ideia de “mínimo vital” chamada pelos romanos de modicum aliquid ne egeat também foi incorporada por este projeto no sentido de fornecer ao fiador, que assume o papel de devedor no caso de inadimplemento do locatário, o direito ao mínimo necessário para sua sobrevivência, ou seja, o imóvel em que reside.
No entanto, apesar do significativo avanço no processo de mitigação das desigualdades e lacunas do nosso ordenamento jurídico, muitos entendem que esta medida irá reduzir a utilização da fiança como modalidade de garantia nos contratos de locação, principalmente naqueles firmados entre pessoas físicas, como ocorre geralmente nos contratos de locação residenciais, uma vez que a medida diminuirá a segurança do locador.
Deste ponto de vista, tal inovação legislativa provavelmente dificultará a opção por esta garantia locatícia, pois muitos deverão abrir mão da fiança ao não encontrarem um fiador com mais de um imóvel, o que os levará a optar por uma das demais garantias elencadas no art. 37 da Lei de Locação quais sejam, caução, seguro fiança ou cessão fiduciária de cotas de fundos de investimentos.
Referida discussão sobre a aplicabilidade do bem de família ao fiador se mostra uma peculiaridade do ordenamento jurídico brasileiro tendo em vista que em países como Alemanha, França, Suíça, dentre outros, o instituto do bem de família já caiu em desuso oferecendo-se ao devedor outras formas de proteção de sua moradia.
O conhecimento sobre a aplicabilidade e funcionamento deste instituto, assim como suas inovações e mudanças são relevantes principalmente para estrangeiros no Brasil, sejam investidores ou funcionários, pois o primeiro passo para o início das atividades empresariais é a locação de um galpão industrial, um escritório ou ainda um imóvel para residência de seus diretores.
Portanto, sob o aspecto jurídico, andou bem o legislador ao propor tal projeto de lei, pois com isso verificou-se um amadurecimento da sociedade, judiciário e legislativo brasileiros no que se refere à proteção efetiva de necessidades e interesses sociais de um Estado Democrático de Direito. Porém, sob o ponto de vista econômico, tal medida pode impactar de forma negativa o mercado imobiliário ao ser vista como uma restrição ao uso da fiança por tornar o contrato de locação mais oneroso ao locador, o que pode gerar um desaquecimento deste tipo de negócio no âmbito imobiliário.
Ana Lucia Villela foi advogada no Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.