A regulamentação da anticorrupção no Município
Enquanto se esperam os desdobramentos e a evolução da Lei 12.846/13 no âmbito federal, notadamente quais os mecanismos que o governo irá utilizar para aplicar as regras ali estabelecidas, o Município de São Paulo, nos limites legais, é claro, já o fez, com algumas diferenças em relação ao estabelecido pela lei acima citada.
No âmbito federal, a Lei 12.846/13, em que pese o esforço de combater a corrupção que infelizmente está enraizada em nossa cultura, já merece algumas críticas. Entre elas, citamos as disposições demasiadamente genéricas, o que pode gerar uma “enxurrada” de processos administrativos aleatórios e sem critérios com objetivo de averiguar as práticas consideradas lesivas, além de não prever muito bem como será o mecanismo de coordenação e controle dos processos administrativos. Some-se a isto o fato de a lei não prever sigilo e imunidade para os beneficiários dos acordos de leniência, o que pode sobremaneira atrapalhar o objetivo criado pelo legislador.
No que tange ao Município de São Paulo, este tratou de concentrar a responsabilidade pela instauração e sindicância de todos os processos relacionados à prática de corrupção pela CGM (Controladoria Geral do Município), os quais poderão ter início de ofício ou a partir de representação ou denúncia, devidamente fundamentadas. Assim, quaisquer agentes públicos que tiverem conhecimento de atos ilícitos deverão comunicar a CGM.
Existirá, portanto, o dever de comunicação à CGM para que o processo possa ser formado e as penalidades aplicadas. Claro que o pleno direito de defesa está assegurado, inclusive com realização de perícia se assim requerido pelos envolvidos na forma procedimental estabelecida no referido Decreto 55.107/2014, além do recurso administrativo cabível. Novidade também é a suspensão cautelar dos efeitos do ato investigado caso haja fundado receito de prejuízo ao interesse público.
A temida desconsideração da personalidade jurídica foi mantida pelo Decreto Municipal. Assim, caso uma das hipóteses do artigo 14 da Lei Federal seja averiguada, os sócios e administradores das empresas investigadas poderão sofrer consequências terríveis, notadamente a extensão da punição administrativa aplicada às empresas.
O Decreto Municipal também estabelece, em seu artigo 21, os critérios de dosimetria para a aplicação das penalidades, como por exemplo, o grau de lesão, a situação econômica do infrator , a existência de“mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades”, incluindo-se a efetividade dos sistemas adotados, a utilização de códigos de ética e conduta para funcionários e colaboradores, a proteção ao anonimato em caso de denúncias e a realização periódica de treinamentos.
Não à toa, portanto, que as empresas que possuem, de forma direta ou indireta, negócios com a Administração Pública, cada vez mais mostram preocupação em atualizar ou criar sua própria política de compliance adaptada à nova tendência de combate à corrupção. Em outras palavras, devem estar atentas as empresas que participam de licitações até aquelas que fornecem produtos ou serviços para empresas que contratam com o “governo”.
A celebração do acordo de leniência poderá reduzir a multa aplicável à empresa em até 2/3, além de isentar ou atenuar as sanções previstas nos artigos 86 a 88 da Lei 8.666/93. Quando a proposta de acordo for apresentada após a ciência, pela pessoa jurídica, da instauração do processo administrativo, a redução do valor da multa será, no máximo, até 1/3 do valor. Crítica contumaz se faz em relação à efetividade prática do acordo de leniência, haja vista que não garante o pleno sigilo após a formulação do acordo, sendo passível de divulgação até mesmo durante a proposta de acordo, caso o interesse público e as condições concretas justifiquem administrativamente esta tomada de decisão.
Além disso, a redução de 1/3 da multa é subjetiva, eis que depende do chamado grau de comprometimento e cooperação da pessoa jurídica envolvida. A grande questão também diz respeito à autonomia que terá o Ministério Público (MP_ para agir contra os administradores e/ou sócios que figurarem no acordo de leniência, haja vista que a autonomia do Decreto abrange a responsabilização civil e administrativa da empresa, sendo impossível coibir a atuação do MP.
Por fim, o Decreto não exclui a aplicação simultânea de duas ou mais infrações.
Pelo movimento e importância que se criou acerca deste tema, notadamente em relação à vontade da Administração Pública de dar satisfação à sociedade, não há dúvida de que o Município de São Paulo fará fiscalização rigorosa e o mínimo indício será passível de instauração de processo administrativo.
Muitas vezes, ainda que o processo seja indeferido, a punição da mídia já é suficiente para prejudicar a empresa envolvida, sendo certo que, indubitavelmente, o melhor caminho é a demonstração de que a empresa age com boa-fé e, principalmente, pratica regras de combate e controle interno.
Ernani Teixeira Ribeiro Junior was an associate at Pacheco Neto Sanden Teisseire Law Firm.