A venda com reserva de domínio está prevista no Código Civil, Lei 10.406/2002, e, por esta modalidade, o vendedor de coisa móvel pode reservar para si a propriedade do bem até que o preço esteja integralmente pago pelo comprador. Somente bem suscetível de caracterização perfeita pode ser objeto de reserva de domínio, isto é, o bem não pode ser confundido com outro congênere.
A cláusula de reserva de domínio deve constar expressamente em um contrato escrito, que deve ser registrado no Cartório de Títulos e Documentos ou de Registro Público, no domicílio do comprador. Regra geral, é bastante usada em contrato de compra e venda de máquinas e equipamentos de valor significativo. O registro é necessário para fins de dar publicidade a terceiros sobre a existência dessa garantia sobre o bem.
Para fazer o registro da cláusula de reserva de domínio em cartório é necessário que o contrato seja apresentado na versão original, assinado pelas partes e testemunhas, acompanhado de procuração dos representantes legais ou dos procuradores. Se estiver redigido em idioma estrangeiro, é necessário fazer tradução juramentada antes do pedido de registro. A taxa do registro é calculada pelo cartório com base no valor envolvido no contrato
A cláusula de reserva de domínio não registrada é válida somente entre as partes contratantes, mas não é oponível contra terceiros, justamente pela falta de publicidade. Caso a reserva de domínio não esteja registrada e o comprador entre em processo de recuperação judicial, essa cláusula não será oponível aos demais credores da empresa recuperanda. Nesse caso, os demais credores poderão se opor à execução da cláusula alegando que a reserva de domínio não poderá lhes afetar devido à falta de conhecimento da sua existência.
A cláusula de reserva de domínio registrada é uma garantia para o vendedor de que seu crédito não se submeterá aos efeitos de uma eventual recuperação judicial, garantindo-se que as condições contratuais e os direitos de propriedade sobre o bem vão prevalecer em face dos demais credores da recuperanda.
Importante ressaltar, entretanto, que a Lei n. 11.101/2005, que regulamenta a recuperação judicial, garante ao vendedor, proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, que ele não estará sujeito aos efeitos da recuperação judicial, mas, durante o prazo de suspensão determinado pelo juiz, a venda ou a retirada do bem do estabelecimento do comprador não será permitida, desde que o bem seja essencial às atividades empresariais da recuperanda. O prazo legal de suspensão é de 180 dias, contados do deferimento da recuperação judicial. Mas, pelo entendimento jurisprudencial, pode ser estendido se for necessário para as atividades da recuperanda.
Durante o período de suspensão, que pode ser de 180 dias ou mais, todas as ações serão suspensas, inclusive eventual ação de busca e apreensão do bem gravado com a reserva de domínio. Mas, a garantia da reserva de domínio permanecerá válida.
Se o comprador não quitar a dívida dentro do prazo estipulado no contrato, recomenda-se constituí-lo em mora por meio de uma notificação. A constituição em mora é uma exigência legal e acarreta o vencimento antecipado da totalidade do débito, vencido e vincendo. Feito isso, o vendedor poderá ajuizar uma ação de cobrança para exigir o débito vencido e vincendo ou reaver a posse dos bens mediante uma ação de busca e apreensão fundamentada na reserva de domínio.
A constituição em mora deve ser feita, preferencialmente, por meio do protesto do título da dívida, mas, se por algum motivo não for possível fazer o protesto, o vendedor deve fazer uma interpelação judicial ou extrajudicial, esta última pelo cartório de títulos e documentos. A interpelação extrajudicial vem sendo aceita pela jurisprudência para fins de constituição em mora, mas, para maior segurança jurídica, é recomendável fazer o protesto do título.
Caso o credor opte em reaver a posse dos bens, a lei lhe faculta reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação dos bens, cobrir despesas realizadas etc., eventual valor excedente será devolvido ao devedor/comprador e se tiver algum valor devido lhe será cobrado pelo vendedor/credor.
Juliana G. Meyer Gottardi é sócia do Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.
Valdirene Laginski foi advogada do Pacheco Neto Sanden Teisseire Advogados.